Arquivos Artigo - Crosara https://www.crosara.adv.br/category/artigo/ Crosara Advogados Tue, 22 Apr 2025 17:16:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.8.1 /wp-content/uploads/2020/05/cropped-apple-icon-32x32.png Arquivos Artigo - Crosara https://www.crosara.adv.br/category/artigo/ 32 32 226479704 STJ decide que a dispensa do dever de colacionar bens doados é válida somente se declarada formalmente pelo doador, de modo expresso e inequívoco https://www.crosara.adv.br/2025/04/22/stj-decide-que-a-dispensa-do-dever-de-colacionar-bens-doados-e-valida-somente-se-declarada-formalmente-pelo-doador-de-modo-expresso-e-inequivoco/ Tue, 22 Apr 2025 17:15:58 +0000 https://www.crosara.adv.br/?p=2962 O litígio submetido ao Superior Tribunal de Justiça envolveu um caso no qual os autores da ação buscaram que fossem declarados nulas tanto a confissão de dívida que a genitora falecida teria com uma das rés herdeiras quanto a dação em pagamento, consistente no recebimento de imóvel para saldar apenas parte dessa dívida; remanescendo ainda […]

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O litígio submetido ao Superior Tribunal de Justiça envolveu um caso no qual os autores da ação buscaram que fossem declarados nulas tanto a confissão de dívida que a genitora falecida teria com uma das rés herdeiras quanto a dação em pagamento, consistente no recebimento de imóvel para saldar apenas parte dessa dívida; remanescendo ainda valores substanciais que seriam recebidos pela herdeira, noticiados na abertura de inventário.

A ré herdeira informou, na abertura do inventário, que a falecida mãe tinha com ela uma dívida de R$ 77.000,00 (setenta e sete mil reais), que é o remanescente de uma dívida maior, no valor de R$ 430.000,00 (quatrocentos e trinta mil reais).

Essa parte maior da dívida teria sido paga por meio da uma dação em pagamento, que é um meio de pagamento e, assim, exoneração de dívida, caracterizado por existir acordo de vontades, entre credor e devedor, para que este possa saldar o que deve com uma prestação diversa da original .
Assim, a devedora genitora teria pago essa parte maior da dívida por meio da transferência de um imóvel urbano à filha herdeira e seu esposo, ao invés de realizar o pagamento com valor pecuniário, físico ou digital.

O Juízo da Vara de Sucessões da Comarca de Campo Grande, ao analisar o caso, julgou procedente a ação proposta pelos autores sob o fundamento de que não existiu confissão de dívida entre a genitora falecida e a herdeira ré, bem como que a dação em pagamento foi realizada de modo simulado, declarando-as nulas: a confissão de dívida e a dação em pagamento.

O Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul apreciou o caso e corroborou o entendimento de que deveria haver a anulação do ato de confissão de dívida realizado pela falecida, declarando inexistentes os valores remanescentes a receber pela herdeira, noticiados na abertura do inventário, bem como declarar simulada e, portanto, nula a dação em pagamento, porém preservando a situação jurídica que ambas queriam dissimular: a doação do imóvel realizada pela genitora falecida em benefício da herdeira ré e do genro.

Ainda, decidiu que deveria ser levado à colação esse imóvel doado apenas para averiguar se foram respeitados os limites da parte disponível pertencentes à doadora falecida, ou seja, observado tal limite a doação seria válida.

Ou seja, a Corte estadual na verdade entendeu que a realização do negócio jurídico simulado de dação em pagamento entre a genitora e a herdeira ré, para ocultar a doação, significa a autorização tácita para a dispensa de colação.

Da análise do recurso especial interposto pelos autores recorrentes, o Superior Tribunal de Justiça foi instado a decidir se “[…] a dispensa de colação pode ser tácita, deduzida do comportamento da mãe ao simular um negócio jurídico de dação em pagamento com o intuito de efetivar a doação do imóvel à filha, ou se deve, obrigatoriamente, ser expressa”.

O Superior Tribunal de Justiça faz uma análise criteriosa sobre a natureza do contrato de doação, compreendendo, dentre alguns aspectos, que, a partir do momento em que o herdeiro necessário ou cônjuge tem uma vantagem patrimonial gerada pelo ascendente de modo desinteressado, passa-se a ser adiantamento de herança, que só poderia existir com o falecimento, ressalvada a hipótese de expressa declaração de que a doação se refere à parte disponível do total bens.

Ainda, expôs que a regra é que as doações sejam noticiadas no momento da abertura da sucessão, para que a igualdade patrimonial seja estabelecida entre os sucessores, ao considerar as vantagens financeiras geradas pelo autor da herança em vida. Isso para evitar que um dos herdeiros seja beneficiado de forma desproporcional em relação aos demais.

A Corte superior interpretou o art. 2.005 do Código Civil no sentido de que o autor da herança pode destinar de modo livre os seus bens a quem desejar, dentro do limite da parte disponível deles. Porém, se essa liberalidade ultrapassar esse limite, é necessário então realizar para o excedente o ato de colação: que, em suma, é o meio pelo qual os herdeiros descendentes beneficiários declaram no inventário as doações que receberam do ascendente em vida, para incluí-las na futura partilha, de modo a garantir que a legítima de cada herdeiro seja respeitada .

Ainda, ao interpretar o art. 2.006 do Código Civil , a Corte superior firmou o entendimento de que a dispensa da colação somente pode ser efetivada de duas maneiras: no testamento ou no instrumento da liberalidade.

Tanto em uma situação quanto na outra, a dispensa da colação deve ser expressa e formalizada por instrumento escrito pelo doador, não se admitindo a sua realização de forma tácita.

A Corte superior ao analisar o caso concreto entendeu que o ato simulado não poderia representar o pressuposto autorizador de dispensa da colação, não só pela ausência da manifestação expressa e formal pela genitora nesse sentido, mas também porque isso representaria a premiação da burla ao regramento sucessório brasileiro; diante disso, determinou-se que o bem doado em benefício da herdeira ré seja submetido à colação.

A partir desse caso, vemos que o Superior Tribunal de Justiça rejeita tentativas de contornar as normas que regem a sucessão no Brasil. Com isso, os tribunais brasileiros devem uniformizar a jurisprudência no sentido de que o ato simulado de negócio jurídico, sobretudo porque no mais das vezes é silente quanto à vontade da dispensa de colação, jamais poderá representar sua autorização, uma vez que esse expediente viola frontalmente o princípio da boa-fé e os arts. 2.005 e 2.006 do Código Civil.

O Superior Tribunal de Justiça entendeu, no caso analisado, que, por mais que se possa preservar a doação realizada pela genitora falecida à ré herdeira, deve-se colacionar o imóvel doado como adiantamento da legítima, pois não houve manifestação expressa da falecida doadora quanto à dispensa de colação.

A colação, como vemos neste caso concreto submetido à Corte Superior, quase sempre é o resultado de uma doação mal planejada e executada. A doação aos herdeiros, para ser bem-feita, válida e eficaz, deve se submeter às formalidades legais, tendo em perspectiva a possibilidade de implementação de uma cláusula de dispensa de colação por exemplo.

Do contrário, a doação de um bem pelo ascendente para o herdeiro, feita sem a manifestação expressa e formalizada sobre a dispensa de colação, é compreendida como antecipação de herança, trazendo de consequência o que vimos nesse caso submetido ao Superior Tribunal de Justiça: ter de devolver o bem que recebeu antecipadamente, para posterior partilha entre os demais herdeiros.

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Document Dump em ações de improbidade administrativa: uma prática a ser combatida https://www.crosara.adv.br/2025/04/22/document-dump-em-acoes-de-improbidade-administrativa-uma-pratica-a-ser-combatida/ Tue, 22 Apr 2025 17:14:44 +0000 https://www.crosara.adv.br/?p=2960 Heitor Simon Fonseca Pedroso Na sessão de julgamento da 1ª Turma do STF, acerca do recebimento da denúncia contra o ex-Presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado, os advogados dos acusados e os ministros usaram termos jurídicos estrangeiros, comuns em grandes investigações criminais, mas pouco conhecidos por profissionais que não atuam na área. […]

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Heitor Simon Fonseca Pedroso

Na sessão de julgamento da 1ª Turma do STF, acerca do recebimento da denúncia contra o ex-Presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado, os advogados dos acusados e os ministros usaram termos jurídicos estrangeiros, comuns em grandes investigações criminais, mas pouco conhecidos por profissionais que não atuam na área.

Dentre os estrangeirismos, os advogados dos acusados utilizaram do termo “document dump”. Trata-se de expressão que conceitua a tática (geralmente da acusação) de oferecer um grande volume de documentos, sem a devida organização, com o objetivo de dificultar a análise e o entendimento das partes processuais.

Essa prática não é restrita à seara criminal. Em ações de improbidade administrativa, não é raro deparar com petições iniciais do Ministério Público, acompanhadas de várias folhas de cópias de procedimentos administrativos, nos quais o órgão acusador alega que houve irregularidades que caracterizariam atos ímprobos.

O advogado atuante nessa área certamente já teve que enfrentar uma imensidão de folhas digitalizadas para tentar desvendar quais seriam efetivamente as provas que recaem contra o seu cliente. Isso porque, muitas vezes, o Ministério Público apenas junta as cópias, mas sem desincumbir do seu ônus de concatenar cada documento com cada imputação.

Incumbe ao órgão acusador ao menos apontar na petição inicial quais seriam as provas que demonstrariam o dolo específico do agente, o efetivo dano ao erário, o efetivo enriquecimento ilícito e/ou a violação a princípios da Administração Pública. Lhe incumbe concatenar a imputação feita às provas juntadas, de forma organizada.

A prática de “document dump” prejudica o exercício do direito de defesa, pois não se sabe com exatidão quais seriam as provas contra o réu. O trabalho ou ônus de desvendar as provas não é do advogado do réu, mas do órgão acusador. Ao advogado do réu incumbe responder às provas e imputações que foram indicadas na petição inicial.

O TJ/RJ já teve a oportunidade de manifestar sobre o tema em causa cível:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. INDEFERIMENTO. HIPOSSUFICIÊNCIA COMPROVADA. REFORMA. SEGREDO DE JUSTIÇA. PUBLICIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS. REGRA GERAL. INDEFERIMENTO. 1. Agravo contra decisão proferida em ação indenizatória, indeferindo o requerimento de gratuidade de justiça e a decretação de segredo de justiça, além de determinar a retirada de documentos não devidamente indexados dos autos. […] 5. Determinação de exclusão das peças juntadas em duplicidade e sem a devida indexação. Manutenção. “Document dump” (despejo de documentos). A referida conduta não apenas retarda a análise do processo, na medida em que subtrai do julgador considerável tempo útil tão somente para localizar e identificar elementos específicos nos autos, como prejudica a ampla defesa. Em suma, trata-se de prática nociva à própria substância do devido processo legal, devendo ser coibida pelo juiz PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO. (TJ-RJ – AI: 00960496920218190000, Relator.: Des. CARLOS SANTOS DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 04/05/2022, Terceira Câmara Cível, Data de Publicação: 06/05/2022)

A Lei nº 14.230/21 (que alterou a Lei de Improbidade Administrativa – Lei nº 8.429/92) positivou o dever da acusação de apontar na petição inicial os elementos probatórios que demonstrem a ocorrência das hipóteses dos artigos 9º, 10 ou 11. Vejamos:

Art. 17. A ação para a aplicação das sanções de que trata esta Lei será proposta pelo Ministério Público e seguirá o procedimento comum previsto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), salvo o disposto nesta Lei.
[…]
§ 6º A petição inicial observará o seguinte:
I – deverá individualizar a conduta do réu e apontar os elementos probatórios mínimos que demonstrem a ocorrência das hipóteses dos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei e de sua autoria, salvo impossibilidade devidamente fundamentada;
II – será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da veracidade dos fatos e do dolo imputado ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições constantes dos arts. 77 e 80 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
[…]
§ 6º-B A petição inicial será rejeitada nos casos do art. 330 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), bem como quando não preenchidos os requisitos a que se referem os incisos I e II do § 6º deste artigo, ou ainda quando manifestamente inexistente o ato de improbidade imputado.

Muito possivelmente, essa alteração foi uma reação legislativa consciente à prática de “document dump” em ações de improbidade administrativa. O dever imposto ao órgão acusador de individualizar a conduta do réu e de indicar os elementos probatórios se traduz na necessidade de concatenar a imputação feita às provas juntadas.

Ainda, a nova lei ofereceu no § 6º-B uma solução para combater essa prática: rejeição da petição inicial, extinguindo o processo sem resolução de mérito. Poderia ter ido além, tipificando a prática como litigância de má-fé e impondo multa.

Agora, cabe aos magistrados e magistradas a aplicação das novas normas, quando do juízo de prelibação (exame do recebimento da petição inicial), dando-lhes efetividade. Do contrário, o “document dump” continuará sendo uma prática comum em ações de improbidade administrativa, prejudicando o exercício do direito de defesa.

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A POSSIBILIDADE DE PENHORA DO BEM ALIENADO FIDUCIARIAMENTE EM RAZÃO DE DÍVIDAS PROPTER REM https://www.crosara.adv.br/2025/03/24/a-possibilidade-de-penhora-do-bem-alienado-fiduciariamente-em-razao-de-dividas-propter-rem/ Mon, 24 Mar 2025 15:43:04 +0000 https://www.crosara.adv.br/?p=2910 João Victor B. Paiva   Durante um longo período, o Superior Tribunal de Justiça adotava o entendimento de que não era possível a penhora do imóvel quando estivermos diante de execução de despesas condominiais do devedor fiduciante.  O entendimento acima guardava compatibilidade com a regra legal de que o devedor fiduciante não era proprietário do […]

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João Victor B. Paiva

 

Durante um longo período, o Superior Tribunal de Justiça adotava o entendimento de que não era possível a penhora do imóvel quando estivermos diante de execução de despesas condominiais do devedor fiduciante. 

O entendimento acima guardava compatibilidade com a regra legal de que o devedor fiduciante não era proprietário do imóvel, mas possuía apenas uma propriedade resolúvel, ou seja, uma expectativa de direito (de ser dono) com o adimplemento religioso da dívida. 

O caso que motivou a reviravolta no entendimento até então adotado foi analisado pela Quarta Turma do STJ no Recurso Especial n. 2.059.278 SC. Naqueles autos, o devedor fiduciante deixou de pagar as parcelas condominiais incidentes sobre o imóvel objeto de alienação fiduciária, mas seguia adimplente junto a Instituição Financeira fiduciante.

Diante desse cenário, o condomínio ajuizou ação de cobrança em desfavor do condômino inadimplente, uma vez que esgotadas as buscas por bens do devedor, pediu justamente a penhora do imóvel que se encontrava gravado pela alienação fiduciária. 

Ao analisar o pedido o Tribunal de origem negou o pedido, justamente utilizando como argumento a jurisprudência já consolidada do STJ de que o bem alienado fiduciariamente não pertence ao devedor. Diante de tal decisão, o condomínio fez os autos chegarem ao STJ que, ao apreciar o REsp n. 2.059.278/SC, acolheu o pedido de penhora do imóvel alienado fiduciariamente. 

Em outra ocasião o Ministro Raul Araújo ao apreciar o AgREsp n. 2.684.988/SP concluiu pela possibilidade de penhora do bem alienado fiduciariamente, mas desde que seja haja a citação do credor fiduciante na execução, bem como lhe seja oportunizado que arque com os débitos de natureza propter rem, porquanto, lhe assegurando o direito de regresso em desfavor do real devedor. Vejamos o trecho da decisão deste recurso citando o julgamento do REsp n. 2.059.278/SC: 

“Entendo correta a solução em tal contexto, para um credor comum, o credor normal de um condomínio, naquela situação. Tal credor não poderá penhorar o imóvel do devedor, por estar o bem alienado fiduciariamente ao credor fiduciário, sendo este o titular da propriedade resolúvel da coisa imóvel. Porém, quando o credor do condomínio devedor é o próprio condomínio a solução não se ajusta. É que relativamente ao próprio condomínio-credor, dada a natureza propter rem das despesas condominiais, nos termos do art. 1.345 do Código Civil de 2002, haverá necessidade de se promover a citação, na ação de execução, também do credor fiduciário no aludido contrato para que venha integrar a lide, possibilitando ao titular do direito previsto no contrato de alienação fiduciária quitar o débito condominial existente e, em ação regressiva, tentar obter do devedor fiduciante o retorno de tais valores. A razão para tanto está em que não se pode cobrir o credor fiduciário de imunidade contra dívida de natureza condominial, outorgando-lhe direitos maiores do que aqueles que tem qualquer proprietário. Quer dizer, o proprietário fiduciário não é um proprietário especial, detentor de maiores direitos do que o proprietário comum de imóvel em condomínio edilício”. 

Ao analisarmos a decisão concluímos que é certo que equilibrar dois interesses igualmente conflitantes sobre um mesmo imóvel é uma questão demasiadamente complexa. Todavia, muito mais importante do dirimir um conflito de interesses totalmente antagônicos, é o impacto que a decisão gera para o sistema de garantias. 

Relator de outro caso afetado, o Ministro Antônio Carlos Ferreira sagrou-se vencido, uma vez que votou pela impenhorabilidade do imóvel objeto de alienação fiduciária.

Para o ministro, as obrigações de natureza propter rem, que vinculam o bem às despesas condominiais, naturalmente cedem diante da afetação do imóvel como garantia de dívida, com a transferência da propriedade resolúvel ao credor fiduciário. Essa vertente, vencida, foi acompanhada pelos ministros Marco Buzzi, Nancy Andrighi e Humberto Martins

Ora, o poder e às vantagens de uma alienação fiduciária foram por longos anos testada no nosso país, uma vez que sobreviveu nas ocasiões em que um credor procurava expropriar bens de um devedor e se deparava com a impossibilidade de acessar os bens alienados fiduciariamente, porquanto, restando apenas que a penhora recaísse sobre os direitos à propriedade resolúvel desse imóvel. 

Ao analisarmos a questão enfrentada, entende-se que o ideal é que o contrato de garantia preveja mecanismos para o adimplemento de dívidas acessórias para a manutenção do instituto da garantia, contando com o acréscimo de tais valores no valor global da dívida contraída. 

Por fim, tem-se que o cenário desenhado no precedente aqui citado, nos faz redobrar a atenção aos contratos empresariais que tenham como elemento central a alienação fiduciária, quer seja com a criação de mecanismos que assegurem o adimplemento de obrigações acessórias, ou mesmo com a adoção de outras modalidades de garantia.

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Inteligência Artificial. IAgora? https://www.crosara.adv.br/2025/03/24/inteligencia-artificial-iagora/ Mon, 24 Mar 2025 15:38:11 +0000 https://www.crosara.adv.br/?p=2907 Autor: Artur Henrique Bahia Azevedo No início de fevereiro, o Superior Tribunal de Justiça apresentou sua nova inteligência artificial, denominada “STJ Logos”, que oferecerá suporte direto aos gabinetes dos Ministros para acelerar a produção de decisões e análise de documentos.  Mas essa é apenas uma das várias notícias recentes sobre o assunto. Existe um movimento […]

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Autor: Artur Henrique Bahia Azevedo

No início de fevereiro, o Superior Tribunal de Justiça apresentou sua nova inteligência artificial, denominada “STJ Logos”, que oferecerá suporte direto aos gabinetes dos Ministros para acelerar a produção de decisões e análise de documentos.

 Mas essa é apenas uma das várias notícias recentes sobre o assunto. Existe um movimento cada vez maior no Judiciário brasileiro com o fim de se promover o uso da IA para dinamizar os serviços judiciários, em especial para reduzir a litigiosidade repetitiva. Tanto assim que o CNJ aprovou, há poucos dias, uma nova resolução visando atualizar as regras de utilização da IA pelos Tribunais de Justiça, tornando obrigatória a supervisão humana e auditorias periódicas. 

Os escritórios de advocacia brasileiros, inclusive aqueles considerados médios e/ou pequenos, também já vêm incorporando sistemas de IA em sua estrutura interna de trabalho. Em outros países, como Inglaterra e EUA, esse número já alcança quase 60% (sessenta por cento), segundo estudos recentes. 

O fato é que o Direito, ou pelo menos uma boa parte dele, está sendo codificado já há alguns anos, tendo esse movimento se intensificado com o surto das startups lawtechs, destinadas à criação de soluções jurídicas e, agora, com as IAs, que surgem como uma nova revolução para o futuro dessa ciência. 

Hoje, os algoritmos já são capazes de produzir peças jurídicas inteiras e protocolá-las no processo. A IA tem sido direcionada para monitorar dados públicos e privados, fazer prognósticos das decisões judiciais, fazer análise de processos, automatizar petições, atos judiciais, contratos e demais documentos jurídicos, contatar profissionais, propor novos métodos de resolução de conflitos, aplicar números e estatística ao Direito. 

Está claro que a IA no Direito veio para ficar, sendo apenas mais um dos vários exemplos exitosos da tecnologia a serviço das profissões e da sociedade.

 O cenário também gera preocupação e reflexão de vários juristas acerca dos impactos profundamente preocupantes desse movimento irrefreável nas profissões jurídicas. As repercussões e problemáticas envolvendo a implementação da IA no direito são várias, desde as mais simples e previsíveis, como um “gap” de programa (recentemente viralizou o julgamento de um recurso onde o advogado citou um precedente inexistente criado por IA), até as mais delicadas, como a questão envolvendo a proteção de dados de clientes. 

Mas o que de fato provoca inquietude é a possibilidade de que em um futuro próximo o profissional do direito, em especial o advogado, possa ser substituído ou se torne um mero operador de sistemas. Ora, estaríamos diante de um claro empobrecimento daquela que é considerada uma das mais nobres profissões. 

Agrava essa preocupação a questão do mercado competitivo. O Brasil é o 2º país que mais tem advogados no mundo (perdendo apenas para a Índia), sendo o primeiro em proporção com a população. 

Recentemente, quando questionado sobre a nova sistemática dos trabalhos acadêmicos diante do advento da IA, um professor de Direito explicou que passou a exigir trabalhos manuscritos de seus alunos, especialmente resenhas críticas e dissertações acerca de determinada obra da literatura jurídica ou caso concreto. 

O que nos parece ao ouvir relatos como esse é que ainda haverá, como sempre houve, uma predileção natural do mercado do direito pelo trabalho feito com qualidade (o que também pode ser feito pela IA), mas que é ao mesmo tempo diferente e inovador, ou seja, que carrega alguma característica do raciocínio individualizado e humano. 

Para além disso tudo, há a questão sofista da persuasão e da capacidade de influenciar. Não se subestima a capacidade descomunal dos algoritmos em sugerir soluções comerciais, mitigar danos, criar e compatibilizar teses jurídicas, inclusive para aplicá-las ao caso concreto. Mas o esforço argumentativo, a capacidade de criar e vender ideias, bem como de transmitir emoções são virtudes valorizadas desde a Grécia antiga e, sobretudo, pelo Direito (vide o Júri ).

 O direito nada mais faz do que regular relações entre humanos e de humanos com as coisas. Definitivamente, não ha como excluir o componente humano no âmbito do trabalho jurídico.

 O que certamente ocorrerá, e que já vem sendo observado, é uma restrição do mercado ao profissional adaptado ao trabalho jurídico massificado, que tende a ser gradualmente substituído, exigindo uma reinvenção de advogados que, porventura, tenham se especializado nesse tipo de função. 

A verdade é que a IA facilitará a vida do advogado, mas o mercado lhe será exigente na mesma medida. Aos profissionais empreendedores e donos de escritório será necessária uma presença mais estratégica, adaptando-se aos novos meios de julgamento e variáveis da utilização da IA pelos Tribunais. A todos, será essencial treinar e aprimorar capacidades que os diferenciem da máquina. Conhecimentos Interdisciplinares, capacidade de negociação, gestão, oratória e empatia serão habilidades cada vez mais valorizadas. 

Não há como frear o progresso tecnológico, tampouco a sua influência e utilização no meio jurídico. Resta a nós advogados, que já passamos por outras revoluções recentes, por exemplo, a do processo eletrônico digital, seguir o fluxo e nos adaptarmos à nova realidade.

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A proteção digital da concorrência: uma análise da responsabilidade civil dos provedores de internet por atos de concorrência desleal https://www.crosara.adv.br/2024/09/04/a-protecao-digital-da-concorrencia-uma-analise-da-responsabilidade-civil-dos-provedores-de-internet-por-atos-de-concorrencia-desleal/ Wed, 04 Sep 2024 04:17:37 +0000 https://www.crosara.adv.br/?p=2859     João Victor B. Paiva[1]   Em abril de 2024, o Superior Tribunal de Justiça proferiu importante precedente acerca do tema da publicidade digital discutido no Recurso Especial nº 2.096.417/SP, de Relatoria da Eminente Ministra Nancy Andrigh. Na oportunidade, o STJ se debruçou em um caso em que uma empresa de maneira deliberada agiu para […]

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    João Victor B. Paiva[1]

 

Em abril de 2024, o Superior Tribunal de Justiça proferiu importante precedente acerca do tema da publicidade digital discutido no Recurso Especial nº 2.096.417/SP, de Relatoria da Eminente Ministra Nancy Andrigh.

Na oportunidade, o STJ se debruçou em um caso em que uma empresa de maneira deliberada agiu para desviar os clientes do concorrente através de meios publicitários pagos no Google Ads, porquanto, vinculou seu nome quando os clientes buscavam pelo concorrente no buscador.

A Terceira Turma do STJ, no referido julgamento, entendeu que a limitação de responsabilidade do provedor de internet, contida no art. 19 do Marco Civil da Internet, não contempla a comercialização de links patrocinados. Vejamos o que diz o referido regramento:

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário. (…)

No caso submetido à análise do Tribunal Superior, uma empresa ajuizou ação em face da plataforma de buscas na qual foi veiculado determinado anúncio pago. A ação tinha como objetivo impedir que a provedora de busca Google Ads veiculasse anúncios de empresa concorrente, bem como o de compensar os danos decorrentes da concorrência desleal.

No referido julgamento, a Eminente Relatora dispôs em seu voto que “na análise da responsabilidade civil dos provedores de internet por atos de concorrência desleal no mercado de links patrocinados, não é o conteúdo gerado no site patrocinado que origina o dever de indenizar, mas a forma como o provedor de pesquisa comercializa seus serviços publicitários, ao apresentar resultados de busca que fomentem a concorrência parasitária e confundam o consumidor”.

A referida decisão se dá em um cenário de crescente regulação do marketing digital. De acordo com o órgão colegiado, o objetivo do debate não é vedar a publicidade por meio de links patrocinados, mas tão somente a compra do domínio de marca concorrente para aparecer em destaque na publicidade paga.

A partir dessa análise, a Terceira Turma do STJ definiu quando a utilização de anúncios patrocinados configura caso de concorrência desleal. Assim, foram estabelecidas balizas aptas a estabelecer a ilegalidade do anúncio digital veiculado, sendo elas[2]:

  • O buscador deverá permitir a compra da palavra-chave correspondente a marca registrada ou o nome empresarial.
  • O titular da marca ou do nome e o anunciante que se utiliza da palavra-chave no titular devem atuar no mesmo ramo comercial.
  • O uso da palavra-chave pela empresa anunciante deve violar as funções identificadora e de investimento da marca ou do nome empresarial da marca, cujo termo foi adquirido indevidamente.

Acompanhando o voto da Ministra Relatora, a Terceira Turma do STJ reformou o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), para que o provedor fique proibido apenas de vender a palavra-chave a empresas concorrentes, pois a vedação total impediria a própria dona da marca ou empresas de outros ramos de a usarem nos links patrocinados.

A ministra afirmou que a marca de uma empresa não pode ser considerada uma palavra genérica e deve receber tratamento distinto das demais palavras-chave. Segundo ela, apesar de a legislação atual não prever especificamente o mercado de links patrocinados, utilizar a marca como palavra-chave para direcionar o consumidor do produto ou serviço para o link do concorrente configura meio fraudulento.

E concluiu dizendo que “a confusão ocorre, pois o consumidor possui a expectativa de que o provedor de pesquisa apresentará nas primeiras sugestões o link da marca que procura, o que o leva a acessar o primeiro anúncio que aparece“.

Já quanto a responsabilidade do Google Ads, a ministra ressaltou que, no mercado de links patrocinados, “o provedor de pesquisas não é mero hospedeiro de conteúdo gerado por terceiros, mas sim fornecedor de serviços de publicidade digital que podem se configurar como atos de concorrência desleal”.

E continuou dizendo que o buscador “tem controle ativo das palavras-chaves que está comercializando, sendo tecnicamente possível evitar a violação de propriedade intelectual”.

No voto proferido, é possível concluir que o STJ definiu que os danos morais e materiais oriundos da concorrência desleal praticada por meio de links patrocinados são presumidos, bastando que se comprove a prática ilícita para que a indenização seja devida, independentemente de apresentação de prova de prejuízo.

Por fim, verifica-se que o precedente editado pela Terceira Turma do STJ, confere importantes diretrizes para que os direitos de propriedade intelectual estejam protegidos no mercado digital, possibilitando que empresas se valham dos meios judiciais para fazerem cessar práticas de concorrência desleal, bem como serem compensadas dos danos decorrentes de tal prática.  

[1] Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Goiás – UNIGOIÁS. Especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – FGV/RJ. Advogado no escritório Crosara Advogados.

[2] Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/410112/concorrencia-desleal-justica-reprime-empresas-que-usam-concorrentesAcesso em 25 de agosto de 2024.

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Marco Legal das Garantias: novas perspectivas econômicas para o país https://www.crosara.adv.br/2024/04/23/marco-legal-das-garantias-novas-perspectivas-economicas-para-o-pais/ Tue, 23 Apr 2024 19:07:30 +0000 https://www.crosara.adv.br/?p=2719 João Victor Barros Paiva[1] A Lei Federal nº 14.711/2023, também conhecida como Marco Legal das Garantias, promoveu profundas atualizações no sistema jurídico de garantias no país. Além de aprimorar tal sistema, a lei confere maior segurança jurídica aos negócios para transações comerciais e estimula o acesso ao crédito por parte das empresas. Uma das mais […]

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João Victor Barros Paiva[1]

A Lei Federal nº 14.711/2023, também conhecida como Marco Legal das Garantias, promoveu profundas atualizações no sistema jurídico de garantias no país. Além de aprimorar tal sistema, a lei confere maior segurança jurídica aos negócios para transações comerciais e estimula o acesso ao crédito por parte das empresas.

Uma das mais importantes mudanças trazidas pelo Marco Legal das Garantias é justamente a criação do Sistema Nacional de Gravames (SNG)[2], cuja finalidade é centralizar o registro das garantias e promover maior eficiência na concessão do mercado de crédito. A medida busca não apenas conferir maior grau de eficiência nos custos da transação, mas também destravar o acesso ao crédito no país.

Por sua vez, também podemos destacar que os temas abrangidos pela novel legislação estão nas disposições sobre alienação fiduciária de imóveis, porquanto, sanam uma série de questionamentos de ordem procedimental que prejudicavam o modelo da garantia.

Entre outros pontos, a norma permite ao devedor contrair novas dívidas com o mesmo credor da alienação fiduciária original, dentro do limite da sobra de garantia da operação inicial. Por exemplo, se o valor garantido por um imóvel no primeiro empréstimo for de até R$200 mil e a dívida original for de R$40 mil, o devedor poderá tomar novo empréstimo junto ao mesmo credor em valor de até R$160 mil.

Antes mesmo da sua entrada em vigor, uma das polêmicas trazidas pela nova legislação diz respeito a instituição do novo procedimento de busca e apreensão de bens em caráter extrajudicial. Vejamos o regramento[3]:

Art. 853-A. Qualquer garantia poderá ser constituída, levada a registro, gerida e ter a sua execução pleiteada por agente de garantia, que será designado pelos credores da obrigação garantida para esse fim e atuará em nome próprio e em benefício dos credores, inclusive em ações judiciais que envolvam discussões sobre a existência, a validade ou a eficácia do ato jurídico do crédito garantido, vedada qualquer cláusula que afaste essa regra em desfavor do devedor ou, se for o caso, do terceiro prestador da garantia.

§1º O agente de garantia poderá valer-se da execução extrajudicial da garantia, quando houver previsão na legislação especial aplicável à modalidade de garantia.

Referida disposição foi inclusive objeto de veto presidencial. Na oportunidade, o Executivo justificou que a medida era manifestamente inconstitucional, uma vez que violava o princípio da reserva de jurisdição, além de apresentar potencial para expor a risco certos direitos e garantias individuais, como o devido processo legal e a inviolabilidade do domicílio.

Apesar da justificada preocupação do Executivo ao vetar o trecho, o veto presidencial foi rejeitado pelo Congresso Nacional, restaurando-se o texto original da norma.

Como já sabemos, a alienação fiduciária consiste em um instituto jurídico que produz efeitos de transferência para o credor da propriedade resolúvel e da posse indireta da coisa móvel objeto de alienação, sem que o devedor usufrua do imóvel.

Diante desse cenário, acaso haja algum inadimplemento das obrigações por parte do devedor, poderá o credor ao seu critério tomar as seguinte medidas: a) requerer, em Juízo, a busca e apreensão dos bens objeto da garantia; b) converter a busca e apreensão em ação de execução com penhora de bens do devedor; e c) a possibilidade do credor valer-se da consolidação da propriedade do bem perante o cartório de registro de títulos e documentos do domicílio do devedor ou da localização do bem (busca e apreensão extrajudicial).

Na última hipótese, acaso o credor opte pela consolidação da propriedade, o devedor poderá proceder das seguintes maneiras: a) pagar voluntariamente o débito no prazo de 20 (vinte) dias, sob pena de consolidação da propriedade; b) comprovar documentalmente que a cobrança é parcial ou integralmente indevida, mas resguardado o direito do devedor acionar o Poder Judiciárioa e discutir o débito.

Se não pagar a dívida nem parcial nem integralmente, o devedor estará obrigado a entregar ou a disponibilizar o bem ao credor, sob pena de multa de 5% do valor cobrado. Acaso a entrega não ocorra, uma das possibilidade é o credor requerer a busca e apreensão extrajudicial do bem garantidor.

Concretizada a apreensão do bem, o credor poderá proceder com a venda do bem garantidor.

É necessário destacar ainda que a nova legislação não disciplinou acerca de como se dará o procedimento da venda do bem, cabendo ao credor decidir acerca. O credor poderá especificar no próprio contrato como se dará o procedimento da venda do bem garantidor, acaso haja inadimplemento contratual.

Por fim, temos que a nova legislação em que pese tenha pontos que terão discussão acerca da sua constitucionalidade, traz uma série de facilidades procedimentais na busca e apreensão de bens móveis dados em garantia, possibilitando que o crédito seja destravado na economia nacional. 

[1]. Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Goiás – UNIGOIÁS. Especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – FGV/RJ. Advogado integrante da banca Crosara Advogados.

[2] Disponível em: https://silvaesilva.com.br/novo-marco-legal-das-garantias-implicacoes-e-perspectivas-para-o-mercado/ Acesso em 14 de abril de 2024

[3] Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/Lei/L14711.htm Acesso em 14 de abril de 2024.

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O advento da Lei nº 14.620/2023 e a possibilidade de instituição do regime de afetação em loteamentos https://www.crosara.adv.br/2023/11/16/o-advento-da-lei-no-14-620-2023-e-a-possibilidade-de-instituicao-do-regime-de-afetacao-em-loteamentos/ Fri, 17 Nov 2023 02:32:26 +0000 https://www.crosara.adv.br/?p=2578 João Victor Barros Paiva[1] Promulgada em 13 de julho de 2023, a Lei Federal nº 14.620/2023[2] trouxe profundas inovações para o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida do Governo Federal, porquanto, alterou, sistematicamente, uma série de regramentos correlatos. Dentre tais, podemos citar a inclusão do artigo 18-A[3] da Lei Federal nº 6.766/79[4], trazendo a possibilidade […]

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João Victor Barros Paiva[1]

Promulgada em 13 de julho de 2023, a Lei Federal nº 14.620/2023[2] trouxe profundas inovações para o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida do Governo Federal, porquanto, alterou, sistematicamente, uma série de regramentos correlatos.

Dentre tais, podemos citar a inclusão do artigo 18-A[3] da Lei Federal nº 6.766/79[4], trazendo a possibilidade da instituição do regime de patrimônio de afetação para loteamentos, tendo em vista que a instituição de tal regime era restrita aos casos de incorporação imobiliária.

Ab initio, é necessário destacar que o advento do patrimônio de afetação se deu justamente após a derrocada do Grupo Encol, quando então o Poder Executivo percebeu o grande risco que incorporações imobiliária representavam aos consumidores adquirentes de imóveis na planta.

Diante desse cenário, foi editada a Lei Federal nº 10.931/2004, na qual instituiu o patrimônio de afetação com a finalidade precípua de garantir segurança jurídica aos adquirentes de imóveis na planta, trazendo ainda, alguns incentivos ao incorporador que opte por tal regime na sua incorporação.

Em síntese, o patrimônio de afetação cria uma massa patrimonial própria do empreendimento em soerguimento, porquanto, não se confunde com os bens do empreendedor.

É necessário mencionar ainda que recentemente, com a promulgação da Lei Federal nº 14.382/2022[5], o rol de aplicação do regime de afetação aumentou, porquanto, prevê a instituição de tal regime quando se estiver diante da atividade de alienação de lotes, quando tais empreendimentos estiverem vinculados à construção de casas isoladas ou geminadas.

Todavia, a Lei Federal nº 14.620/2023, promulgada recentemente, trouxe ainda mais inovações quando falamos acerca do patrimônio de afetação. Com a nova legislação, os loteamentos também poderão se sujeitar ao regime de afetação.

Tal mecanismo permite que o empreendimento tenha administração própria e autônoma, ou seja, não se confunde com a massa patrimonial do loteador e do incorporador, inclusive quando estivermos diante de uma possível situação de insolvência desses atores.

O regime de afetação, agora podendo ser aplicado aos loteamentos, possibilita que, em caso de falência do loteador, os recursos pagos pelos adquirentes não poderão ser afetados por eventual pedido de recuperação judicial ou falência do loteador, conforme se infere da literalidade do art. 18-F da Lei nº 14.620/2023. Vejamos:

Art. 18-F. Os efeitos da decretação da falência ou da insolvência civil do loteador não atingem os patrimônios de afetação constituídos, não integrando a massa concursal o terreno, a obra até então realizada e os demais bens, direitos creditórios, obrigações e encargos objeto do loteamento.

Por sua vez, é necessário destacar que o patrimônio de afetação, por estar vinculado a execução do empreendimento, tem-se que quaisquer rendimentos que porventura vierem a ser auferidos também deverão ser destinados ao empreendimento.

De acordo com o regramento que rege a matéria, a adesão ao regime de afetação poderá ser feito em qualquer momento. Basta que haja averbação do termo firmado pelo loteador na matrícula-mãe do empreendimento a ser erguido.

Todavia, é relevante que se mencione acerca da impossibilidade de revogação do regime de afetação, ou seja, o seu término está adstrito a observância das hipóteses legalmente previstas.

O art. 18-E da Lei Federal nº 14.620/2023 elenca tais possibilidades de extinção do regime de afetação em caso de loteamentos. Vejamos:

Art. 18-E. O patrimônio de afetação extinguir-se-á pela averbação do termo de verificação emitido pelo órgão público competente, pelo registro dos títulos de domínio ou de direito de aquisição em nome dos respectivos adquirentes e, quando for o caso, pela extinção das obrigações do loteador perante eventual instituição financiadora da obra.”

Assim, podemos concluir que, enquanto não houver a conclusão do empreendimento sujeito ao regime de afetação, a separação patrimonial está mantida

Ato contínuo, é relevante citar ainda que embora a Lei Federal nº 10.931/01 tenha previsto benefícios fiscais aos empreendimentos sujeitos ao regime de afetação, tal como o pagamento de alíquota unificada de 4% da receita mensal percebida, verifica-se que o mesmo não ocorreu em relação a Lei Federal nº 14.620/2023, o que pode ser objeto de discussões no âmbito judicial e legislativo.

Por fim, embora a novel legislação tenha fixado algumas particularidades em relação a Lei Federal 10.931/01, nota-se que a possibilidade de instituição do regime de afetação traz uma série de avanços ao setor imobiliário, já que atendem a um antigo pleito dos loteadores, trazendo segurança jurídica não só para os empresários, mas também aos adquirentes de tais imóveis, já que podem contar com um certo grau de certeza na conclusão do empreendimento.

 

[1]. Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Goiás – UNIGOIÁS. Especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – FGV/RJ. Advogado integrante da banca Crosara Advogados.

[2] BRASIL. Lei Federal nº 14.620/2023, de 13 de julho de 2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Lei/L14620.htm Acesso em 29 de outubro de 2023.

[3] Art. 18-A. A critério do loteador, o loteamento poderá ser submetido ao regime da afetação, pelo qual o terreno e a infraestrutura, bem como os demais bens e direitos a ele vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do loteador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução do loteamento correspondente e à entrega dos lotes urbanizados aos respectivos adquirentes.

[4] BRASIL. Lei Federal nº 6.766/1979, de 19 de dezembro de 1979. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6766.htm Acesso em 29 de outubro de 2023

[5] BRASIL. Lei Federal nº 14.382/2022, de 27 de junho de 2022. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Lei/L14382.htm Acesso em 29 de outubro de 2023

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Holding Familiar: uma análise dos benefícios de seu uso lícito e o risco das fraudes fiscais https://www.crosara.adv.br/2023/08/15/holding-familiar-uma-analise-dos-beneficios-de-seu-uso-licito-e-o-risco-das-fraudes-fiscais/ Tue, 15 Aug 2023 13:15:02 +0000 https://www.crosara.adv.br/?p=2535 Horácio Lisita Mello e Cunha   Resumo O presente artigo foi desenvolvido visando analisar as holdings familiares e a possibilidade de sua utilização como facilitadora de fraudes fiscais. A holding familiar é um instrumento jurídico, utilizado para planejamento sucessório e tributário. No entanto, é um instrumento suscetível a práticas ilícitas, como a evasão fiscal e […]

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Horácio Lisita Mello e Cunha

 

Resumo

O presente artigo foi desenvolvido visando analisar as holdings familiares e a possibilidade de sua utilização como facilitadora de fraudes fiscais. A holding familiar é um instrumento jurídico, utilizado para planejamento sucessório e tributário. No entanto, é um instrumento suscetível a práticas ilícitas, como a evasão fiscal e a fraude à execução. Utilizando uma metodologia teórico-empírica, combinando informações trazidas por renomadas doutrinas, legislações e uma profunda análise de jurisprudências atuais, o presente artigo visa além de evidenciar as vantagens e desvantagens da holding familiar, a compreensão das fraudes fiscais cometidas com a sua má utilização.

Palavras-chave

Holding, Holding Familiar, Evasão Fiscal, Fraudes, Execução, Tributos, Empresas, Empresas Familiares

Abstract

This article was developed to analyze family holdings and the possibility of their use as a facilitator of tax fraud. The family holding company is a legal instrument used for succession and tax planning. However, it is an instrument susceptible to illicit practices, such as tax evasion and execution fraud. Using a theoretical-empirical methodology, combining information brought by renowned doctrines, legislation and a deep analysis of current jurisprudence, this article aims, in addition to highlighting the advantages and disadvantages of the family holding company, the understanding of tax fraud committed with its misuse.

Key words

Holding, Family Holding, Tax Evasion, Frauds, Execution, Taxes, Companies, Family Companies

Introdução

A holding familiar tem sido objeto de crescente interesse de diversos setores econômicos, visto que se trata de um instrumento jurídico que possibilita diversos benefícios, como: planejamento sucessório – conjunto de estratégias que organizam a passagem de bens de uma pessoa para seus herdeiros -, e planejamento tributário – prática lícita e essencial para qualquer empresa que deseja se manter “saudável”, visto que possibilita as empresas otimizarem sua carga tributária dentro do limite previsto na legislação.

Todavia, as holdings vêm sendo muitas vezes utilizadas em discordância ao permitido na legislação, visando práticas ilícitas como a evasão fiscal – “fuga da obrigação de recolhimento do tributo devido” [Ricardo Mariz de Oliveira] – e fraudes à execução – atos fraudulentos com o intuito de prejudicar a satisfação de créditos de um credor durante o processo de execução judicial.

Dessa forma, o artigo em questão tem o objetivo de abordar as questões relacionadas ao tema “holding familiar: uma análise dos benefícios de seu uso lícito e o risco das fraudes fiscais”, analisando os benefícios e malefícios da holding e principalmente a possibilidade de sua utilização para atos ilícitos.

Nesse sentido, o que se busca é contribuir academicamente para o debate sobre a utilização adequada das holdings familiares, visando a melhoria de todo o sistema econômico.

Contexto histórico e conceito

As holdings surgiram no século XIX na Europa e nos EUA. A primeira constituição que se tem registro foi do magnata John Rockefeller, que agrupou inúmeras empresas em uma holding de participações chamada Standard Oil.

Sua terminologia vem do verbo em inglês “to hold”, que na tradução livre, significa “controlar, segurar, manter”. Assim, é considerado holding, aquela sociedade que tem como um de seus objetos sociais participar, controlar, administrar, dominar outras sociedades, adquirindo suas quotas, ações.

Todavia, desde a sua origem, as holdings evoluíram bastante e atualmente são utilizadas para diversos fins além de serem a estrutura central que administra diferentes empresas, sendo também utilizadas para facilitar a sucessão e transferência de bens, reduzir a carga tributária e outras finalidades que serão debatidas neste artigo.

No Brasil, as holdings ganharam força em 1976, com a Lei nº 6.404, conhecida como Lei das Sociedades Anônimas, com a sua constituição formalizada no Art. 2º, § 3º, da lei citada.

Art. 2º Pode ser objeto da companhia qualquer empresa de fim lucrativo, não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes.

  • 3º A companhia pode ter por objeto participar de outras sociedades; ainda que não prevista no estatuto, a participação é facultada como meio de realizar o objeto social, ou para beneficiar-se de incentivos fiscais.

Deixando claro que, diferentemente de cartéis e trustes, a holding é um instrumento legal, desde, é claro, que utilizada para os fins lícitos.

O especialista em direito empresarial André Luiz Santa Cruz Ramos, em sua doutrina, conceituou holding como “uma sociedade cujo objetivo é a participação em diversas empresas (Ramos, 2017)”. Ou seja, uma estrutura central que administra outras sociedades.

Trazendo para a holding familiar. O também especialista em direito empresarial e doutrinador Gladston Mamede, a conceituou como:

A chamada holding familiar não é um tipo específico, mas uma contextualização específica. Pode ser uma holding pura ou mista, de administração, de organização ou patrimonial, isso é indiferente. Sua marca característica é o fato de se enquadrar no âmbito de determinada família e, assim, servir ao planejamento desenvolvido por seus membros, considerando desafios como organizações do patrimônio, administração de bens, otimização fiscal, sucessão hereditária etc.” (MAMEDE, 2015, p.12)

Em suma, a holding familiar nada mais é do que uma holding que se enquadra no âmbito de uma família, visando um planejamento sucessório, tributário e gestão eficiente do patrimônio familiar.

Vantagens e desvantagens da holding familiar

Nos dias atuais, cada vez mais, a ideia originária de família e seus laços afetivos vem se perdendo, com o crescente número de divórcios, somado ao fato de que muitas vezes os herdeiros de uma pessoa não são irmãos germanos, não é nada incomum nos depararmos com litígios entre familiares.

Nesse sentido, Gladston Mamede disparou “São múltiplos os casos de grandes empresas que não sobreviveram às disputas entre os herdeiros ou à sua inabilidade para conduzir os negócios” (MAMEDE E MAMEDE, 2016, p. 88). Ora, quantas empresas de sucesso já não foram à falência após o herdeiro assumir e sem o conhecimento necessário tomar decisões inadequadas, ou até mesmo se dissolveram em conflitos sucessórios entre os herdeiros.

Ou seja, ter um planejamento sucessório que reduza esses conflitos e garanta uma boa gestão da empresa é essencial. Sendo assim, as holdings surgem como uma excelente alternativa.

Na holding familiar existe a possibilidade de contratar um administrador especializado na área, que administrará a empresa de acordo com os interesses coletivos dos sócios, todavia, baseando suas decisões em um intenso conhecimento da área. De forma que, a administração fique com um especialista no assunto, evitando que o patrimônio seja dilapidado por decisões ruins.

Em consonância a eficiente gestão, na holding familiar, cada membro já conhece, de forma antecipada, a parte do patrimônio da família que lhe é de direito. Assim, evita-se litígios entre herdeiros, consequentemente agiliza o processo e evita os custos da judicialização de tais conflitos.

Outra vantagem das holdings familiares é referente à blindagem patrimonial em relação à terceiros, através de cláusulas, como: incomunicabilidade, impenhorabilidade, inalienabilidade. Com isso, é possível garantir que o patrimônio fique sob propriedade dos membros da família independente de dívidas, divórcios…

  • A cláusula de incomunicabilidade impede que o bem recebido em doação, herança ou legado integre o patrimônio que irá se comunicar com o do cônjuge, mesmo que quem receba esteja sob o regime de comunhão universal de bens.
  • A cláusula de impenhorabilidade impõe condições a fim de que o bem transferido não mais saia do patrimônio da pessoa beneficiada, tornando-se assim impenhorável, para credores de qualquer natureza. Essa cláusula, dependendo da vontade de quem as institui, pode ser vitalícia ou temporária.
  • A cláusula de inalienabilidade limita os direitos do herdeiro sobre bens imóveis. Seu efeito principal é impedir a disposição do bem pela pessoa que o receberá. Isso significa a impossibilidade de transferi-lo a outra pessoa, seja a que título for.

A holding familiar ainda apresenta vantagens tributárias. Por ser uma pessoa jurídica se beneficia de diversos incentivos fiscais como se nota no quadro abaixo:

 

Inventário

Holding familiar

Tempo médio

5 anos

5 meses

ITCMD

Incide no valor de mercado do bem

Incide no valor declarado do bem

Alíquota do IR

IRPF: Até 27,50%

IRPJ: cerca de 15%

Alteração das matrículas

A cada transferência dos bens

Única vez, apenas na constituição da holding

Venda de imóvel

15% sobre o ganho de capital auferido

5,93%, mais o adicional que chega a uma dízima periódica de aproximadamente 6,73% sobre o valor total da alienação

 

A título de exemplo, vejamos um caso hipotético. José faleceu deixando um patrimônio que foi declarado no seu IR no valor de R$ 14.000.000,00 reais, todavia, o valor de mercado desse bem é de R$ 17.000.000,00 reais. Incidindo o valor de 8% relativo ao ITCMD, em caso de inventário os herdeiros terão que desembolsar cerca de R$ 1.360.000,00 reais, enquanto na holding cerca de R$ 1.120.000,00 reais, uma economia de cerca de R$ 240.000,00 reais.

Todavia, apesar das diversas vantagens apresentadas, as holdings também contam com algumas desvantagens, como alto custo e complexidade.

Para a constituição de uma holding, é necessário a contratação de contador, de assessoria jurídica, custos com registros, taxas, certidões e outros documentos; soma-se, ainda, os custos de manutenção e administração da holding, o que ocasiona em um alto valor.

 No entanto, a principal desvantagem das holdings familiares está relacionada a sua complexidade. A constituição da holding conta com diversos aspectos. Caso o planejamento sucessório e fiscal não seja feito da forma adequada, a holding pode causar o efeito contrário ao pretendido, gerando uma perda patrimonial e consequências legais ao constituinte – casos de evasão fiscal. Sendo assim, é necessário que o constituinte da holding aja com boa-fé, como também, consulte especialistas confiáveis na área.

Como observa Gladston Mamede:

O resultado fiscal pode ser vantajoso ou não, conforme o caso e, principalmente, conforme a engenharia que seja proposta para a estrutura societária. Portanto, não é correto ver a constituição de uma holding familiar como a solução  para  todos  os  problemas e,  principalmente,  uma  garantia  de  recolhimento menor de tributos. Não é assim. É indispensável a avaliação por um especialista que, para cada situação, faça uma avaliação dos cenários fiscais para definir, em cada caso, qual é a situação mais vantajosa, sendo possível que, no fim das contas, a constituição da holding se mostre desaconselhável por ser mais trabalhosa e onerosa.  (MAMEDE; MAMEDE, 2017, p. 103).

Assim, é evidente que a holding quando estruturada da forma adequada possui diversos benefícios, como blindagem patrimonial, planejamento sucessório e tributário. Todavia, para que ela seja um instrumento favorável ao empresário e a todo o sistema econômico, é essencial que ela seja constituída consultando especialistas e utilizada de forma correta, visando benefícios lícitos, caso contrário terá um efeito reverso, causando mais problemas do que benefícios para quem a constituiu.

A utilização das holdings familiares como instrumento para fraudes tributárias e fiscais

Como já citado, um dos possíveis benefícios da holding familiar, é o planejamento tributário. Este conceituado por Dionni Alberth Moura e outros como:

Uma forma lícita de reduzir a carga fiscal, o que exige alta dose de conhecimento técnico e bom-senso dos responsáveis pelas decisões estratégicas no ambiente corporativo. Trata-se  do  estudo  prévio  à  (sic)  concretização  dos  fatos administrativos,  dos  efeitos  jurídicos,  fiscais  e  econômicos  de  determinada  decisão  gerencial,  com  o  objetivo  de  encontrar  a  alternativa  legal menos onerosa para o contribuinte. (2014 apud OLIVEIRA, 2004)

O que vem ocorrendo é a utilização da holding para benefícios fiscais ilícitos, ou seja, o seu uso como um instrumento de fraudes. Para melhor entendimento, existem dois métodos de redução da carga tributária: a elisão e a evasão fiscal.

A elisão está diretamente relacionada ao planejamento tributário, conceituado acima, sendo um método lícito de se alcançar reduções na carga tributária. Através de alta dose de conhecimento técnico e bom senso dos responsáveis pelas decisões estratégicas é possível reduzir a carga tributária.

Já a evasão, por sua vez, se trata de um conjunto de práticas ilícitas que visam reduzir a carga tributária, todavia, através do registro parcial, ou até mesmo na omissão dos tributos devidos, ou seja, alterando documentos para não se pagar os impostos devidos. Tal prática vem se tornando muito comum nas holdings familiares, transformando-a em um instrumento facilitador de fraudes tributárias.

Somado a isso, as holdings são bastante utilizadas para cometer fraudes à execução, ou seja, a realização de atos simulados, visando ocultar os patrimônios pessoais dos sócios, de forma que os credores não consigam satisfazer seu crédito.

Para melhor entendimento sobre fraude à execução, vejamos os Art. 593 e 792 do CPC:

Art. 593. Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens:

I – quando sobre eles pender ação fundada em direito real;

II – quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência;

E,

Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:

IV – quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência;

V – nos demais casos expressos em lei.

Ou seja, se caracteriza como fraude à execução a alienação de bens ao tempo em que corre ação de execução que possa levar o indivíduo à insolvência. Nesse sentido, diversos são os casos de pessoas que, sabendo que serão executadas, constituem holdings familiares, ocultando o seu patrimônio pessoal, visando frustrar tais obrigações.

Para reduzir tais atos ilícitos, está consagrado, em diversos tribunais do Brasil, o entendimento de que a utilização das holdings familiares como forma de fraudar execução se caracteriza como abuso da personalidade jurídica, causando a desconsideração da personalidade jurídica e outras consequências legais. Vejamos:

Agravo de instrumento. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica inversa. Decisão agravada que julgou procedente a desconsideração e determinou a inclusão da empresa no polo passivo da execução. Criação da holding familiar logo após o ajuizamento da ação de cobrança. Posterior retirada do sócio e transferência do capital para seus filhos. Evidência de confusão patrimonial entre os bens do executado e os bens que pertencem à holding familiar. Abuso da personalidade jurídica. Art. 50 do CC c./c. art. 133, § 2º, do CPC. Decisão mantida. RECURSO DESPROVIDO. (TJ-SP – AI: 21472954620198260000 SP 2147295-46.2019.8.26.0000, Relator: L. G. Costa Wagner, Data de Julgamento: 29/10/2019, 34ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 29/10/2019)

E,

Embargos de terceiro. Fraude à execução. Transferência de bem do executado a ‘holding’ familiar no curso de execução capaz de levá-lo à insolvência. Art. 792, IV, do CPC/2015. Fraude caracterizada. Pressupostos presentes. Conjunto probatório documental robusto de que a integralização do bem ao capital social da ‘holding’ familiar se deu quando tramitava execução capaz de levar o transmitente à insolvência. Prova oral desnecessária à solução da controvérsia. Cerceamento de defesa não verificado. Sentença mantida. Para a configuração de fraude à execução é necessário que, ao tempo da alienação ou oneração, já houvesse sido ajuizada ação fundada em direito real ou capaz de reduzir o alienante à insolvência. A transferência de imóveis feita pelo devedor a ‘holding familiar’, administrada por sua esposa, na qual esta e os filhos do casal figuram como sócios, faz presumir o conluio com o fim de frustrar a execução, configurando fraude à execução. Apelação conhecida e não provida. (TJPR – 15ª C.Cível – 0025924-18.2021.8.16.0014 – Londrina – Rel.: DESEMBARGADOR HAMILTON MUSSI CORREA – J. 23.05.2022) (TJ-PR – APL: 00259241820218160014 Londrina 0025924-18.2021.8.16.0014 (Acórdão), Relator: Hamilton Mussi Correa, Data de Julgamento: 23/05/2022, 15ª Câmara Cível, Data de Publicação: 23/05/2022)

Através da análise dos casos acima, nota-se que, apesar da holding ser um instrumento que possibilita diversas vantagens, é consagrado o entendimento que quando a mesma é utilizada visando atos ilícitos, como as fraudes, ocorre o abuso da personalidade jurídica e as suas consequências legais. Assim, gera diversos problemas para quem a constituiu. Nota-se também, a utilização dos requisitos dos Arts. 593 e 792 do CPC para que seja caracterizada a fraude à execução.

Considerações finais

O presente artigo buscou analisar a holding familiar, as vantagens e desvantagens de sua constituição, como também, a possibilidade de sua utilização para cometer fraudes fiscais.

Nota-se que as holdings possuem diversas vantagens, todavia, a sua simples constituição não garante nenhum benefício, sendo essencial que seja realizado um estudo com especialistas para identificar as necessidades individuais de cada caso, para que, assim, tal tecnologia jurídica tenha de fato efeitos positivos e não negativos.

No artigo em questão, podemos notar também que existem, sim, formas de utilizar a holding para cometer atos ilícitos, todavia, já existem entendimentos consagrados em diversos tribunais que visam impedir e punir tais atos.

Em suma, por meio deste artigo fica evidente que, se a holding for constituída da forma correta, utilizando de especialistas e estudos individualizados, é plenamente possível obter diversos benefícios com a utilização deste instrumento jurídico, não sendo necessário a utilização de práticas ilícitas.

 

REFERÊNCIAS

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MAMEDE, Gladston, E. Holding familiar e suas vantagens. 7º, ed. São Paulo: Atlas, 2015.

MAMEDE, Gladston, Manual do Direito E. 11ª, ed. São Paulo: Atlas, 2017.

CAVALCANTE, Mauro. Compilado sobre Holding Familiar. ed. São Paulo, 2019.

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial. 7. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro-RJ: Forense; São Paulo: Método, 2017.

TEIXEIRA, João Alberto. Holding Familiar: Tipo societário e seu regime de tributação. Holding Familiar & Proteção Patrimonial, São Paulo, 2007.

WERNER, René. Família e negócios: um caminho para o sucesso. Barueri, SP: Manole, 2004. 

OLIVEIRA, Ricardo Mariz. Planejamento tributário – elisão e evasão fiscal – norma antielisão e norma antievasão, Capítulo do livro “Curso de Direito Tributário”, do Centro de Extensão Universitária. Coordenação de Ives Gandra da Silva Martins, Editora Saraiva, 2011, 13ª ed., p. 443.

MOURA, Dionni Alberth; GOIS, Fábio Marcelo Gomes de; VALDERRAMOS, Leandro. Holding: um instrumento para os planejamentos familiar, patrimonial, sucessório e tributário. 2014. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências Contábeis) – Fundação de Ensino “Euripes Soares da Rocha”, Centro Universitário Euripes de Marília – UNIVEM, 2014.

CARVALHO, Laila Souza de; GOES, Helder Leonardo Souza: Holdings Patrimoniais e as Fraudes Tributárias, Ciências Humanas e Sociais|Aracaju|v. 6|n.1|p. 211-226|Março 2020 | periodicos.set.edu.br.

SÃO PAULO, TJ-SP – AI: 21472954620198260000 SP 2147295-46.2019.8.26.0000, Relator: L. G. Costa Wagner, Data de Julgamento: 29/10/2019, 34ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 29/10/2019.  Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-sp/913018993. Acesso em: 14 de julho de 2023.

PARANÁ, TJ-PR – APL: 00259241820218160014 Londrina 0025924-18.2021.8.16.0014 (Acórdão), Relator: Hamilton Mussi Correa, Data de Julgamento: 23/05/2022, 15ª Câmara Cível, Data de Publicação: 23/05/2022). Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-pr/1511277864. Acesso em: 14 de julho de 2023.

BRASIL. Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404consol.htm. Acesso em 12 de julho de 2023

BRASIL. Código Civil,  Lei Nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 12 de julho de 2023

BRASIL. Código de Processo Civil,  Lei Nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 12 de julho de 2023

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 12 de julho de 2023.

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Herança digital: uma análise extrapatrimonial https://www.crosara.adv.br/2023/07/13/heranca-digital-uma-analise-extrapatrimonial/ Thu, 13 Jul 2023 12:56:21 +0000 https://www.crosara.adv.br/?p=2488 Marcella Pires Costa[1] 1.               Resumo O presente artigo tem como objetivo apresentar uma análise patrimonial e extrapatrimonial da herança digital, discutindo a extensão da aplicação da disciplina de direito sucessório sobre o tema, aliada ainda a uma discussão acerca dos direitos ao esquecimento, à privacidade, à autodeterminação digital e à necessária proteção de direitos de […]

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Marcella Pires Costa[1]

1.               Resumo

O presente artigo tem como objetivo apresentar uma análise patrimonial e extrapatrimonial da herança digital, discutindo a extensão da aplicação da disciplina de direito sucessório sobre o tema, aliada ainda a uma discussão acerca dos direitos ao esquecimento, à privacidade, à autodeterminação digital e à necessária proteção de direitos de ordem patrimonial.

2.               Palavras-Chave

Herança Digital. Direito ao Esquecimento. Direito à Autodeterminação Digital.

3.               Introdução

O acesso à internet e a sua utilização como canal de arquivamento e transmissão instantânea de dados, para além de ocasionar transformações de enormes proporções na forma como a informação é repassada e os relacionamentos interpessoais são travados ao redor de todo o globo, também lançam seus reflexos sobre a esfera dos direitos da personalidade, e, por consequência, sobre as relações de direito privado, na medida em que implicam uma transformação sem precedentes na forma como o indivíduo se projeta socialmente como um “eu”, num processo intermediado pela construção de verdadeiras “personas digitais”, veiculadas pelas mais diversas formas de mídias sociais, por meio da simples associação controlada de registros eletrônicos (fotos, vídeos, áudios, usuários, descrições biográficas etc.).

Os contornos delimitadores da personalidade e dos direitos inerentes a ela se estendem e passam a abarcar e lançar reflexos sobre os meios digitais, num contexto em que, pelo intermédio da internet e das redes sociais, a própria imagem e vida pessoais são convertidas em artigos de comércio, num cenário do qual emergem as figuras profissionais dos chamados “blogueiros”, “youtubers”, “vloggers”, “gamers”, dentre outros, que constroem verdadeiros “impérios digitais”, de onde extraem sua renda e em cujo alicerce edificam grande parte do seu patrimônio.

Frente a essas transformações, o direito e o seu arcabouço legislativo se encontram numa situação de instabilidade e insegurança jurídica, confrontados pela contínua necessidade de aprimoramento e modernização, na – talvez soberba – expectativa de manterem-se atualizados, com vistas a abarcar, na medida do possível, os conflitos nascidos na “sociedade da informação”, os quais avançam em progressão geométrica.

Em todo o tempo de navegação na internet, os usuários estão continuamente deixando pegadas em seu encalço, marcas virtuais que são registradas e armazenadas por tempo indefinido e cujos efeitos são ainda potencializados por um costume cada vez mais marcante de autoexposição.

Por essa razão, se torna cada vez mais fragilizada na era da pós-digitalização a defesa à privacidade, à intimidade (“right to be left alone”) e ao segredo, os quais são protegidos tanto pela ótica dos direitos fundamentais, de ordem constitucional, quanto dos direitos da personalidade, de natureza privada, além de receber amparo com a edificação de legislação especial, qual seja, a Lei n° 12965, de 23 de abril de 2014 (Marco Civil da Internet).

Partindo da análise dessa dinâmica, é possível abstrair uma interconexão entre o direito à privacidade, à autodeterminação informativa e ao esquecimento (ou, ainda, o direito de ser esquecido), cujos conteúdos serão tratados posteriormente mais a fundo.

É a partir  da coleção desses “rastros digitais” que se forma o que hoje se entende por “herança digital”, grande novidade nascida do meio doutrinário e que é, aos poucos, absorvida pela jurisprudência pátria, não obstante  a grande instabilidade e incerteza jurídica em face do limbo legislativo relativo às hipóteses de transmissão causa mortis de registros digitais, tais quais fotos, músicas, livros, bônus de jogos, documentos pessoais, senhas de perfis em redes sociais, bem como quaisquer arquivos que possam ser armazenados na chamada “nuvem”, em sites, blogs, redes de interação social etc. 

4.               Herança digital

É marcante a situação de insegurança jurídica em que o direito brasileiro se encontra frente à omissão legislativa no que diz respeito à transmissibilidade da chamada “herança digital”. Em primeiro lugar, é importante densificar e traçar os contornos do referido conceito, de forma a se possibilitar uma maior compreensão das ideias aqui propostas.

Herança, segundo o conceito da professora Maria Helena Diniz, corresponde ao “patrimônio do falecido, conjunto de direitos e deveres que se transmitem aos herdeiros legítimos ou testamentários, exceto se forem personalíssimos ou inerentes à pessoa do de cujus” (DINIZ, 2012). Por ser um patrimônio, a ele corresponde uma universalidade de bens e direitos, um complexo de relações jurídicas, os quais, numa visão tradicional do instituto, deverão necessariamente ser dotados de valor econômico, excluindo-se da esfera meramente pessoal ou moral [FIUZA, 2015]. Assim, herança digital, ou “legado virtual”, corresponde a uma universalidade de bens compostos por arquivos ou registros digitais, tais quais fotos, vídeos, postagens em redes sociais, livros, músicas, dados, arquivos armazenados em nuvens, que podem ser transmitidos aos herdeiros, seja através de inventário, arrolamento, ou legítima sucessão.

A despeito de as questões atinentes à herança digital poderem ser abarcadas pela legislação sucessória, quando interpretada extensivamente, inexiste legislação específica sobre a matéria, principalmente no que diz respeito a arquivos digitais desprovidos de conotação econômica, situação que gera incerteza acerca da correta forma de tratamento da matéria. Nas palavras do professor Tarcísio Teixeira:

Apesar de não haver previsão expressa na lei sobre herança de bens digitais, nos parece que quando estes bens tem cunho patrimonial nossa legislação é ´relativamente suficiente para tutelar o assunto’ (Código Civil, leis sobre direitos autorais, software, marca e patentes etc.).

Assim, a dúvida não é precisamente quanto à possibilidade de ativos digitais serem transmitidos por inventário ou arrolamento, mas sim quanto à possibilidade de sucessão em caso de ausência de manifestação expressa de vontade por parte do cujus, principalmente, no que diz respeito a arquivos digitais não apreciáveis economicamente.

Tarcísio Teixeira entende que na hipótese de bens patrimonialmente avaliáveis, como registros e arquivos eletrônicos de segredos empresariais/industriais, informações de patentes de invenções, vídeos, livros, músicas, fotos etc., poderão estes ser transferidos tanto por ato inter vivos, quanto causa mortis. Por outro lado, nas palavras do autor:

Quanto a registros e arquivos que não tenham conotação patrimonial, como contas de mensagens trocadas (email, MSN, WhatApp), bônus em jogos (que não possam ser convertidos em dinheiro), imagens e fotos (sem apelo comercial), entre outros, a questão ganha maior complexidade.

Isso se dá em razão de uma facilidade de inserção de arquivos digitais avaliáveis economicamente na noção de patrimônio, a qual está tradicionalmente associada a noções de ordem patrimonial. Por essa razão, a insegurança jurídica se restringe à hipótese de bens digitais que não possuem valor econômico imediato (mas que, não obstante, podem vir a tê-lo futuramente), cujo caráter patrimonial não é evidente, ou que possuam apenas valor afetivo, aspecto este de extrema importância e igualmente merecedor de tutela jurídica, o qual, por sua vez, ganha contornos ainda mais relevantes quando analisado sob a ótica do direito à preservação da memória do falecido.

Desse impasse advém uma série de discussões doutrinárias acerca da possibilidade de perfis em redes sociais, fotos, vídeos, notas, em suma, arquivos particulares não apreciáveis patrimonialmente serem ou não objetos de direito sucessório, em razão de não representarem valor econômico, não obstante seu valor afetivo.

São bastante recorrentes litígios movidos por familiares do de cujus que pleiteiam jurisdicionalmente a exclusão ou acesso às contas do falecido em páginas da internet; daí a importância de se deixar registrada a intenção de permitir ou não o acesso a essas contas de bens virtuais após a morte, “para que não fiquem perdidos no mundo digital ou sejam explorados por quem não tem direito ou não seria da vontade do falecido” [ROCHA, ISABELA, 2013], e, igualmente, de forma a resguardar o direito à intimidade.

Existe, como um desdobramento do direito à intimidade, o chamado “direito de ser esquecido”, o qual é conceituado por Tarcísio Teixeira como o direito de pleitear que informações ao seu respeito sejam apagadas do banco de dados. O autor trata o “direito ao esquecimento” e o “direito a ser esquecido” como sinônimos, sendo vistos como um direito instrumental que visa fundamente resguardar direitos, tais quais, o direito à privacidade, à dignidade, o que se torna facilmente identificável pela leitura do Enunciado n. 531 da VI Jornada de Direito Civil, de 2013, cuja redação inclui o direito ao esquecimento na tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade de informação. Sendo assim, na medida em que o direito ao esquecimento guarda estreitos vínculos com direitos da personalidade, acaba por entrar muitas vezes em choque com direitos também constitucionalmente assegurados, como é o caso do direito à informação, à livre manifestação do pensamento e à liberdade de imprensa.

Autores como Renata C. Steiner estabelecem uma diferença conceitual entre direito ao esquecimento, em sentido estrito, e direito de ser esquecido, sendo o primeiro correspondente, mais especificamente, ao direito à retirada de notícias de circulação, enquanto o segundo diz respeito à proibição da revisita de notícias vinculadas ao seu nome muito tempo após a ocorrência do fato. Existem muitos julgados em que esse direito é reconhecido, principalmente na área penal, sob a justificativa de que a veiculação pelos canais de informação dos nomes das pessoas a crimes pelos quais tenham sido condenadas, ou, ainda, absolvidas, pode vir a causar graves transtornos, além de muitas vezes consubstanciar um óbice à sua ressocialização. É também muito comum em litígios referentes à retirada de informações veiculadas pela imprensa, seja por meio de jornais impressos, transmissão televisiva ou divulgação digital. Mas, para além disso, e a despeito de a sua construção histórica remontar a época anterior à era digital, com o advento e modernização da internet e dos canais sociais de comunicação, passou a ser aplicado também sobre litígios concernentes a postagens, dados e registros divulgados em páginas eletrônicas, tais quais sites, blogs e redes sociais.

Dessa forma, o direito ao esquecimento é passível de aplicação tanto nas circunstâncias em que a informação é transmitida pela imprensa tradicional, quando por canais digitais; nas palavras da professora Renata C. Steinner:

O direito ao esquecimento não se refere apenas a notícias jornalísticas (encontrando também aplicação em críticas ou mesmo postagens em redes sociais, por exemplo) e nem se circunscreve apenas a questões criminais (podendo dizer respeito a outros aspectos da vida privada).

O direito ao esquecimento é de particular importância na análise de casos de colisão dos direitos à privacidade e à informação quando as informações veiculadas envolvem dados pessoais da pessoa retratada. Como já foi dito antes, essas considerações têm pertinência tanto em hipóteses de divulgação de informações pela imprensa quanto por endereços eletrônicos, como é o caso dos sites de relacionamento, o que na seara digital se torna de particular importância, em vista do processo a que a professora Renata C. Steiner se refere como “entronização da informação” e da facilidade com que esses dados podem ser revisitados.

Como bem lembra a autora, o direito de privacidade funciona como um limite ao direito de informação, mesmo que não exista a priori preponderância de um sobre outro, devendo então guiar-se em todos os casos de conflito pela análise de critérios de ponderação no caso concreto, pois, segundo lição de Luís Roberto Barroso, “uma regra que estabeleça preferência abstrata de um direito fundamental sobre outro não será válida por desrespeitar o direito preterido de forma permanente e violar a Constituição” [STEINER, RENATA]. Assim, no que diz respeito ao resguardo do direito à informação e à defesa do interesse público, o referido direito existe “na medida em que não infrinja o direito fundamental de personalidade e a informação só poderia ser considerada como algo que transcende a esfera de direito da pessoa retratada quando houver evidente e inegável interesse público que justifique a sua divulgação” [STEINER, RENATA].

No que tange a tutela desse direito, Tarcísio Teixeira afirma:

Independentemente de pessoa pública ou não, se for o caso de informação falsa, o interessado poderá pleitear o direito ao esquecimento, Sendo a informação verdadeira, será preciso verificar no caso concreto os direitos que estão em jogo, devendo haver o sopesamento de interesses envolvidos, conforme os direitos constitucionais, de um lado, a privacidade e dignidade da pessoa humana, de outro, direito a informação, livre manifestação do pensamento e liberdade de imprensa, sem prejuízo de outros direitos que possam estar envolvidos no caso.

Essa análise deve ser feita em conjunto com a avaliação dos três critérios a que se refere a professora Renata C. Steiner, quais sejam, os critérios de veracidade, atualidade e ânimus narrandi (ou seja, ausência de intuito ofensivo; corresponde a uma análise subjetiva da existência ou não de culpa).

Quando esse conflito se desenvolve em âmbito digital ganha contornos ainda mais problemáticos em vista das especificidades do modo de transmissão de informação via internet e do fenômeno de multiplicação e aceleração do trânsito de dados, que acabam por desembocar num processo que o professor Tarcísio chama de “perpetuação de dados”, potencializado pela tendência de autoexposição em mídias sociais.

A internet representa uma transformação sem precedentes nas mais diversas dimensões da vida em sociedade, causando inclusive modificações na forma como o próprio “eu” se autoidentifica e se apresenta socialmente. É um espaço de construção de “personas digitais”, reflexos e, ao mesmo tempo, distorções da personalidade; são verdadeiras “imagens-retrato” [BENTO, EDUARDO, 2018], as quais diversas vezes guardam muito pouco de identidade com o “verdadeiro eu” e muito pouco reúne dos predicados que a real personalidade enfeixa.

O conceito de pessoa (persona), segundo Moncada, advém da própria ideia de “máscara”, ou “caraça”, que os atores da antiguidade greco-romana carregavam em cena, enquanto disfarçavam a voz (personare) e representavam (BENTO, EDUARDO, 2018). A mesma lógica de representação se desenrola no mundo virtual, principalmente em terreno de redes sociais, através da manipulação controlada de dados e registros pessoais, processo que perpassa o próprio direito de autodeterminação digital, compreendido aqui não mais só como uma extensão do direito à privacidade, mas como um bem autônomo, tutelável em razão da própria proteção da personalidade.

Nas palavras de Livia Teixeira Leal, “internet viabiliza uma projeção da identidade do indivíduo, que se distingue da concepção que se tinha como paradigma, e, ainda segundo a professora, a identidade passa a ser ressignificada, através da construção de um ”corpo eletrônico”, por meio da associação representativa de signos, tais quais fotografias, perfis em redes sociais, nomes de usuário etc., corpo este que deverá ser tutelado jurisdicionalmente, na medida em que reflete e “projeta” a própria personalidade. Em meio a esse cenário:

A noção de direito à privacidade passa a contemplar, então, a autodeterminação informativa, ou seja, a possibilidade de os indivíduos controlarem as informações que lhe dizem respeito, passando-se de um eixo pessoa-informação-sigilo para pessoa-informação-circulação-controle”. [TEIXEIRA, LIVIA, 2018]

Trata-se de uma clara demonstração de como a internet e a correspondente evolução dos meios de transporte de dados são capazes de ampliar e ressignificar conceitos jurídicos pré-existentes, o que evidencia um fenômeno constante e dinâmico de modernização da doutrina jurídica.

Muitas páginas de redes sociais dispõem em seus termos de acordo sobre o procedimento a ser adotado em caso de falecimento do usuário, como é o caso do Twitter, que prevê a exclusão do perfil mediante solicitação de interessado, e do Facebook, que autoriza a conversão da página em uma espécie de memorial, onde perfis já anteriormente aprovados na conta poderão prestar homenagens, numa espécie de rito fúnebre digital [ROCHA, ISABELA]. O Yahoo, em seus termos de uso, dispõe sobre a pessoalidade e intransferibilidade da conta, além de que aplicativos como WhatsApp e Telegram protegem as conversas dos usuários por criptografia, de forma a vedar o acesso de familiares em caso de falecimento; também o iCloud dispõe sobre a inexistência de direitos de sucessão sobre as contas dos usuários, sendo quaisquer direitos advindos do ID Apple insucestíveis de transferência e quaisquer conteúdos vinculados à conta indisponibilizados, com o falecimento do usuário, havendo também tratamento semelhante nos termos do iTunes e Kindle [TEIXEIRA, LIVIA, 2018].

Em vista do vácuo legislativo no que diz respeito à disciplina da herança digital, muitos serviços de gerenciamento post mortem de arquivos digitais têm emergido no mercado. Esses serviços vão desde empresas que instituem um “guardião virtual” para as contas dos usuários, numa espécie de testamento digital, como é o caso da Entrusted, Madison, Legacy Locker e Datalnherit [ROCHA, ISABELA], até portais de programação de mensagens fúnebres, e sites de armazenamento de dados post mortem, como é o caso do Brevitas, que mantém o registro de dados de e-mail, perfis sociais e senhas de banco por até cinco anos desde a última renovação de contrato [ROCHA, ISABELA].

Nesse sentido, os “aplicativos de morte” estariam se desenvolvendo como uma clara demonstração de um fenômeno de “ritualização post mortem” [TEIXEIRA, LIVIA], possibilitando aos seus usuários o controle do que se entende por memória digital e, por consequência, uma ampliação da extensão dos efeitos do direito à autodeterminação digital para uma esfera post mortem, em que inexiste personalidade, mas perduram os reflexos de direitos a ela inerentes.

O surgimento desses serviços é um forte indicativo da demanda social por uma regulamentação do que se entende por “herança digital”, de forma a se tutelar não só o direito à privacidade, mas também uma “memória digital”, entendida aqui como uma extensão do direito à personalidade.  O Marco Civil da Internet, apesar de não tratar de direito sucessório, acaba por disciplinar indiretamente a matéria, na medida em que erige princípios essenciais para orientação da tutela jurisdicional na seara digital, quais sejam, o princípio da proteção da privacidade e da proteção aos dados pessoais (art. 3°).

É justamente em razão de sua dimensão axiológica que o estudo da herança digital deve perpassar tanto uma análise patrimonial quanto extrapatrimonial, sob pena de prejuízo ao resguardo de direitos fundamentais (ou direitos da personalidade, quando analisados sob a ótica privada). Não obstante, é comum que a matéria seja tratada por um viés estritamente patrimonial. Como aponta Livia Leal, as próprias denominações “herança digital”, “legado digital”, “patrimônio digital” e “ativo digital” já revelam essa tendência, o que, por si, direciona à interpretação pela possibilidade da aplicação da legislação sucessória ao tema.

A professora defende que a aquisição de determinado direito do falecido não significa necessariamente que tenha havido sucessão, como costuma ser o caso das situações jurídicas extrapatrimoniais de titularidade do de cujus, caso em que as pessoas designadas adquirem tão somente o direito de agir [TEIXEIRA, LIVIA], uma vez que “os dados pessoais dos usuários falecidos não são transmitidos aos herdeiros, na medida em que se referem a aspecto existencial do de cujus” [TEIXEIRA, LIVIA].

O falecimento do de cujus, a despeito de implicar extinção dos direitos de personalidade, não impede que venham a ter reflexo post mortem, pois a morte do titular “não significa que determinados direitos vinculados à pessoa do de cujus deixem de receber proteção jurídica” [TEIXEIRA, LIVIA]. Segundo a autora:

Não há uma transferência de tais direitos da personalidade para os familiares. Muito pelo contrário: a garantia post mortem dos direitos da personalidade do de cujus, considerando-se o aspecto objetivo da personalidade, pode se operar em face dos familiares [TEIXEIRA, LIVIA].

Essa interpretação é de especial relevância não só para a tutela e a defesa dos direitos à privacidade, ao esquecimento e à autodeterminação, mas também para o resguardo do direito à liberdade. Não há liberdade sem a garantia do direito à privacidade, havendo entre ambas uma íntima relação de interdependência, uma vez que, como dispõe Eduardo Bento, para o pleno exercício do direito de liberdade:

Pressupõe-se o exercício do direito de privacidade, devendo ser garantido a qualquer pessoa um espeço reservado, inviolável, para que possa se abster da censura alheia, dos olhares da sociedade, garantindo assim, interação com seu íntimo e, por fim, ao exercício do direito de autodeterminação [BENTO, EDUARDO]

A despeito de inexistir entendimento consolidado na jurisprudência, diversos tribunais pátrios, ao tratarem do tema, optaram por resguardar o direito à privacidade, impedindo o acesso de herdeiros e familiares a contas de usuários já falecidos em redes sociais e aplicativos: 

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. HERANÇA DIGITAL. DESBLOQUEIO DE APARELHO PERTECENTE AO DE CUJUS. ACESSO ÀS INFORMAÇÕES PESSOAIS. DIREITO DA PERSONALIDADE. A herança defere-se como um todo unitário, o que inclui não só o patrimônio material do falecido, como também o imaterial, em que estão inseridos os bens digitais de vultosa valoração econômica, denominada herança digital. A autorização judicial para o acesso às informações privadas do usuário falecido deve ser concedida apenas nas hipóteses que houver relevância para o acesso de dados mantidos como sigilosos. Os direitos da personalidade são inerentes à pessoa humana, necessitando de proteção legal, porquanto intransmissíveis. A Constituição Federal consagrou, em seu artigo 5º, a proteção constitucional ao direito à intimidade. Recurso conhecido, mas não provido.

(TJ-MG – AI: 10000211906755001 MG, Relator: Albergaria Costa, Data de Julgamento: 27/01/2022, Câmaras Cíveis / 3ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 28/01/2022)

AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – EXCLUSÃO DE PERFIL DA FILHA DA AUTORA DE REDE SOCIAL (FACEBOOK) APÓS SUA MORTE – QUESTÃO DISCIPLINADA PELOS TERMOS DE USO DA PLATAFORMA, AOS QUAIS A USUÁRIA ADERIU EM VIDA – TERMOS DE SERVIÇO QUE NÃO PADECEM DE QUALQUER ILEGALIDADE OU ABUSIVIDADE NOS PONTOS ANALISADOS – POSSIBILIDADE DO USUÁRIO OPTAR PELO APAGAMENTO DOS DADOS OU POR TRANSFORMAR O PERFIL EM “MEMORIAL”, TRANSMITINDO OU NÃO A SUA GESTÃO A TERCEIROS – INVIABILIDADE, CONTUDO, DE MANUTENÇÃO DO ACESSO REGULAR PELOS FAMILIARES ATRAVÉS DE USUÁRIO E SENHA DA TITULAR FALECIDA, POIS A HIPÓTESE É VEDADA PELA PLATAFORMA – DIREITO PERSONALÍSSIMO DO USUÁRIO, NÃO SE TRANSMITINDO POR HERANÇA NO CASO DOS AUTOS, EIS QUE AUSENTE QUALQUER CONTEÚDO PATRIMONIAL DELE ORIUNDO – AUSÊNCIA DE ILICITUDE NA CONDUTA DA APELADA A ENSEJAR RESPONSABILIZAÇÃO OU DANO MORAL INDENIZÁVEL – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA – RECURSO NÃO PROVIDO.

(TJ-SP – AC: 11196886620198260100 SP 1119688-66.2019.8.26.0100, Relator: Francisco Casconi, Data de Julgamento: 09/03/2021, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/03/2021)

Contudo, os direitos à privacidade, ao esquecimento e à autodeterminação não devem se sobressair a priori em relação aos direitos de ordem patrimonial, o que acaba por tornar a questão ainda mais problemática. Segundo Livia Teixeira:

Os conteúdos com caráter patrimonial, como dados vinculados e transações financeiras, senhas de acesso a aplicações de bancos, etc., ou mesmo a exploração econômica dos atributos da personalidade, por restarem contidos na esfera da patrimonialidade, poderiam ser transferidos aos herdeiros, que passarão a ser administradores de tal patrimônio [TEIXEIRA, LIVIA]

Dessa forma, a questão acaba por se complicar ainda mais quando o caráter pessoal do bem digital se confunde com a sua dimensão patrimonial, pois “embora os direitos da personalidade sejam intransmissíveis, não se pode negar que os efeitos patrimoniais decorrentes da repercussão econômica de tais direitos são transmissíveis aos herdeiros” [TEIXEIRA, LIVIA]. Para um melhor retrato da situação, basta visualizar a cena digital contemporânea, em que as chamadas mídias sociais ocupam boa parte do tempo e das preocupações dos indivíduos, acabando por se consolidar como uma verdadeira indústria, de onde emergem as figuras dos chamados “influenciadores digitais”, que colocam suas próprias vidas a exposição no mercado digital, formando, a partir dos seus registros na internet, patrimônios de dimensões expressivas, os quais, assim como os direitos supracitados, merecem tutela jurisdicional efetiva.  No entendimento da autora supracitada:

Em relação a páginas e contas protegidas por senha, deve-se verificar o caráter do conteúdo ali contido e a funcionalidade da aplicação. Tratando-se de aplicações com fundo estritamente patrimonial, como contas de instituições financeiras, ou ligadas a criptomoedas, por exemplo, a conta e a senha poderiam ser transferidas para os herdeiros. Contudo, em relação a aplicações de caráter pessoal e privado, como é o caso de perfis de redes sociais e dos aplicativos de conversas privadas, não se deve permitir, a princípio, o acesso dos familiares, exceto em situações excepcionalíssimas, diante de um interesse existencial que prepondere no caso concreto. Nesses casos, a senha vai proteger os dados recebidos, enviados e armazenados pelo usuário, inclusive em face do acesso indevido pelos familiares após a morte. [TEIXEIRA, LIVIA]         

O melhor tratamento da matéria, portanto, envolve a análise cautelosa do caso concreto para avaliação das circunstâncias em que se expressa o conflito e a interconexão entre o caráter patrimonial e extrapatrimonial da herança digital, de forma a, na medida do possível, garantir a devida tutela das situações existenciais, sem prejuízo para o resguardo dos direitos patrimoniais, atentando sempre para a manifestação prévia de vontade do de cujus. 

5.               CONCLUSÃO  

O direito, com fins de realizar o seu papel fundamental de pacificador e promotor de equanimidade e justiça social, necessita de constante atualização frente às transformações ocorridas no seio da sociedade. Frente à chamada “sociedade da informação” e às suas constantes transformações, esse papel se torna ainda mais complexo e fundamental, exigindo da doutrina, legislação e jurisprudência a constante reinterpretação e ressignificação dos institutos jurídicos.

Em vista do exposto, vem à luz a problemática da extensão do conceito de herança digital, universalidade de bens e dados armazenados digitalmente, a qual não possui ainda disposição legislativa expressa, causando uma situação delicada de insegurança jurídica, devido à ausência de suporte legislativo para a tutela deste direito, cuja tutela resta mal definida por contornos imprecisos.

O tratamento legislativo da matéria se torna ainda de particular importância quando se tem em vista que a apreciação do tema costuma implicar um imbricado conflito de direitos, apenas solúvel através de uma análise cautelosa das circunstâncias fáticas de cada caso. Isso porque o tema envolve uma complicada interconexão entre direito à privacidade, à dignidade, à liberdade, à autodeterminação digital, ao esquecimento e direitos de ordem patrimonial.

Para além disso, e com muita frequência, os litígios envolvendo herança digital são marcados por uma dimensão dúplice no que diz respeito ao seu caráter patrimonial e extrapatrimonial, que muitas vezes se confundem ou interpenetram devido à própria evolução e desenvolvimento da internet e das chamadas “mídias sociais”, que abriram espaço para um “comércio da vida pessoal”, muito comum na era pós-digital e que acaba por imbuir aspectos da vida e personalidade humana de uma lógica fundamentalmente patrimonial.

6.               BIBLIOGRAFIA.

ARAUJO, Luis Alberto David. A Proteção Constitucional da Própria Imagem. São Paulo, 1989;

STEINER, Renata C. Breves Notas sobre o Direito ao Esquecimento. Direito Civil Constitucional. A Ressignificação da função dos Institutos Fundamentais do Direito Civil Contemporâneo e sua Consequências. Florianópolis, 2014;

BENTO, EDUARDO. Direito à Reserva Sobre a Intimidade da Vida Privada. Breve interpretação à luz do Código Civil Angolano. Teoria Geral do Direito Civil. Benguela, 2018;

ANTUNES, Nathália Zampieri, ZAMPIERI, Marcelo Carlos. A Herança Digital e sua Necessidade de Implementação no Processo de Modernização do Ordenamento Jurídico Brasileiro. Ed. 12, 2015;

LIMA, Isabela Rocha. Herança Digital: direitos sucessórios de bens armazenados virtualmente. Brasília, 2013;

LEAL, Livia Teixeira. Internet e Morte do usuário: A Necessária Superação do Paradigma da Herança Digital. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil | Belo Horizonte, v. 16, p. 181-197, abr./jun. 2018

METTZER, Editor. Título do artigo. Título do periódico. Local de publicação (cidade), volume, número, nº fascículo, páginas inicial-final, dia, mês e ano.

FIUZA, César. Direito Civil: Curso Completo – 18. Ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.

 

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Prescrição e suas modalidades aplicadas às cédulas de crédito rural https://www.crosara.adv.br/2023/05/05/prescricao-e-suas-modalidades-aplicadas-as-cedulas-de-credito-rural/ Fri, 05 May 2023 13:09:05 +0000 https://www.crosara.adv.br/?p=2420 Lucas Medrado   O Estado Brasileiro regulamentou formas de fomento e financiamento da atividade rural, como o Decreto-Lei nº 167/1967, que estabelece as normativas para contratação de cédula de crédito rural [1]. Trata-se de um título de crédito que consiste em promessa de pagamento em dinheiro, com ou sem garantia real cedularmente constituída. O financiamento, […]

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Lucas Medrado

 

O Estado Brasileiro regulamentou formas de fomento e financiamento da atividade rural, como o Decreto-Lei nº 167/1967, que estabelece as normativas para contratação de cédula de crédito rural [1]. Trata-se de um título de crédito que consiste em promessa de pagamento em dinheiro, com ou sem garantia real cedularmente constituída. O financiamento, por meio dessa cédula, se dá pelas instituições financiadoras que integram o Sistema Nacional de Crédito Rural.

Comumente, o produtor rural oferece como garantia hipotecária da cédula um determinado imóvel de sua propriedade e, em caso de inadimplemento com o financiamento contratado, o credor (geralmente um banco) pode buscar a via judicial para cobrar a dívida constante no instrumento particular.

Inicialmente, quando o credor propuser a ação judicial, o produtor rural deve se atentar quanto a possível prescrição do título.

Assim, o prazo prescricional para a execução da cédula de crédito rural é de 3 anos, ante o disposto no art. 60 do Decreto-Lei nº 167/1967, combinado com o art. 70 da Lei Uniforme de Genebra (Decreto 57.663/66). Contudo, após o transcurso desse prazo, os créditos oriundos de cédulas de crédito rural ainda podem ser cobrados, por meio de ações monitórias ou ações de cobrança.

Nesses casos, o Código Civil [2] prevê os prazos que regem a prescrição. Assim, aplica-se aos créditos rurais, constantes em instrumento particular, o prazo prescricional de 5 anos, com base no art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil. Além disso, o nome do devedor deve ser mantido nos serviços de proteção ao crédito até o prazo máximo de 5 anos, conforme foi estabelecido pela Súmula 323 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Quanto à prescrição da cédula de crédito rural, é esse o entendimento sedimentado do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO):

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE PRESCRIÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA C/C EXTINÇÃO DOS GRAVAMES. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL HIPOTECÁRIA. PRAZO QUINQUENAL. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. I – O início da contagem do prazo prescricional, em relação a cédula rural pignoratícia hipotecária como no presente caso, inicia-se do seu vencimento, devendo-se, então, concluir prescrita a sua força executiva, conforme fixado na Lei Uniforme de Genebra, cujo teor do art. 70 impõe a observância do lapso prescricional de três anos. II – Ademais, tratando-se de ação de cobrança, fundada em dívida líquida constante de documento particular, há de prevalecer o prazo prescricional quinquenal (art. 206, § 5º, I, do CC), tendo enquanto termo inicial a data do vencimento do título, fato que revela também que ocorreu a prescrição quanto à ação de cobrança. III – Vencida a última prestação da dívida em 20.09.2009, tem-se o termo final para sua cobrança em setembro de 2014, razão pela qual corretamente declarada a prescrição dos títulos de crédito, notadamente porque o banco apelante não logrou demonstrar a ocorrência de qualquer causa de interrupção ou suspensão da prescrição. IV – Desprovido o recurso, mister a majoração da verba honorária, na forma do artigo 85, § 11, do CPC. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO.

(TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5029716-59.2021.8.09.0087, Rel. Des(a). DESEMBARGADOR WILSON SAFATLE FAIAD, Itumbiara – 1ª Vara Cível, julgado em 29/10/2021, DJe de 29/10/2021)

EMENTA: AGRAVO INTERNO NA APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. NOTA DE CRÉDITO RURAL. PRESCRIÇÃO RECONHECIDA, DE OFÍCIO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PREJUDICADO. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Tratando-se de ação de cobrança fundada em dívida líquida constante de documento particular (nota de crédito rural), há de prevalecer o prazo prescricional quinquenal previsto no artigo 206, §5º, inciso I, do CC, cujo termo inicial de sua contagem é a data do vencimento do título. 2. Na espécie, tendo em vista que a última parcela da nota de crédito rural venceu em 01/07/2008 (conforme aditivo firmado em 2004), e que a ação monitória somente foi proposta em 07/05/2014, tem-se por consumada a prescrição quinquenal. Agravo interno desprovido.

(TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 0159219-03.2014.8.09.0044, Rel. Des(a). RODRIGO DE SILVEIRA, 2ª Câmara Cível, julgado em 12/12/2022, DJe de 12/12/2022)

 

Além disso, há casos em que pode ser configurada a modalidade de prescrição denominada intercorrente, conforme a jurisprudência do STJ, e também do TJGO.

Essa espécie de prescrição ocorre quando houver desídia do exequente, ou seja, do credor, quando deixar de promover a diligência processual a seu cargo e transcorrer, devido à inércia, o período estabelecido como prescricional para a execução, que é de 3 anos no caso da cédula de crédito rural, como exposto acima [3].

Nesses casos, percebe-se, então, que deve haver inércia do exequente por prazo superior ao de prescrição do direito material vinculado. Aplica-se, nesses casos, o entendimento previsto na Súmula 150, do Supremo Tribunal Federal (STF). Veja-se a jurisprudência:

(…) 3. Como assentado na decisão agravada, o Tribunal a quo decidiu em harmonia com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que assentou que a execução prescreve no mesmo prazo prescricional da ação (Súmula 150 deste Supremo Tribunal). Nesse sentido: (…) (ACO 408-AgR, Relator Ministro Marco Aurélio, Plenário, DJ 27.6.2003). (…) Concluir de forma diversa do que decidido pelas instâncias originárias demandaria a análise de legislação infraconstitucional (…)

(ARE 732027 AgR, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 07/05/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-108 DIVULG 07-06-2013 PUBLIC 10-06-2013)

 

Igualmente compreende o STJ:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. TERMO INICIAL. CONTRATO. VENCIMENTO ORDINÁRIO. MORA. DESCARACTERIZAÇÃO. ENCARGOS ILEGAIS. PARCIAL PROVIMENTO.

  1. “O vencimento antecipado das prestações não altera o termo inicial do prazo trienal de prescrição para a execução de dívida fundada em cédula rural pignoratícia, que é contado do vencimento da última parcela. Precedentes.” (AgInt no AREsp 298.911/MS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 24/8/2020, DJe 27/8/2020).
  2. “1.1 Incide a prescrição intercorrente, nas causas regidas pelo CPC/73, quando o exequente permanece inerte por prazo superior ao de prescrição do direito material vindicado, conforme interpretação extraída do art. 202, parágrafo único, do Código Civil de 2002; 1.2 O termo inicial do prazo prescricional, na vigência do CPC/1973, conta-se do fim do prazo judicial de suspensão do processo ou, inexistindo prazo fixado, do transcurso de um ano (aplicação analógica do art. 40, § 2º, da Lei 6.830/1980)” (REsp 1604412/SC, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 27/6/2018, DJe 22/8/2018).
  3. A cobrança de encargos ilegais no período de normalidade do contrato afasta a mora do devedor. Precedentes.
  4. Agravo interno parcialmente provido.

(AgInt no REsp n. 1.882.639/SC, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 8/3/2021, DJe de 11/3/2021.)

 

No mesmo sentido, decide o TJGO:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. CARACTERIZADA. I – A prescrição intercorrente se concretiza quando o titular do crédito deixa de promover o andamento do processo por período equivalente ao previsto em lei para o reconhecimento do direito em Juízo (Súmula 150 do STF), expressando desinteresse no prosseguimento de seu intento inicial. II – A cédula rural pignoratícia possui prazo prescricional de três anos, nos moldes do artigo 70 da Lei Uniforme de Genebra (Decreto nº 57.663/66). III – Na hipótese, impõe-se reconhecer o advento da prescrição intercorrente, pois o feito restou indevidamente paralisado por tempo superior ao do prazo prescricional do direto material. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

(TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 0435451-81.2013.8.09.0117, Rel. Des(a). DESEMBARGADOR LEOBINO VALENTE CHAVES, 2ª Câmara Cível, julgado em 02/02/2022, DJe de 02/02/2022)

 

Destarte, trata-se de matéria já sedimentada pelos tribunais brasileiros, bastando, no caso concreto, que seja comprovada a inércia do exequente pelo prazo superior ao de prescrição do direito material vindicado.

A fim de contextualizar a conjuntura atual das renegociações das cédulas de crédito rural, é importante ressaltar que, atualmente, está em trâmite, no Congresso Nacional, discussão sobre o alongamento das dívidas de crédito rural, tendo como finalidade amparar o produtor rural, prevendo a possibilidade de renegociação por até 20 anos (Projeto de Lei nº 550/2022).

De todo o exposto, deve-se destacar a participação dos produtores do Estado de Goiás no cenário agrícola, pois figura entre as maiores produções de grãos do Brasil, conforme dados extraídos do Acompanhamento da Safra Brasileira.

Portanto, é inconteste a importância da atividade exercida pelo produtor rural, que, independentemente de todos os riscos à produção, exerce o seu ofício incansavelmente [4].

Assim, é de suma importância que o produtor rural se atente aos casos de contratação de cédula rural nas modalidades do Decreto-Lei nº 167/1967. Em vista de cenários imprevisíveis que podem incorrer em quebra de safra com grave prejuízo, deve haver cuidado para que a atividade não sofra também com riscos de paralisação com execuções judiciais que podem impactar diretamente na atividade econômica rural.

 

 

[1] BRASIL, Decreto-Lei nº 167. 1967, art. 9º.

[2] BRASIL, Lei 10.406. 2002, art. 205º.

[3] ZAVASCKI, Teori Albino. Do processo de execução: arts. 566 a 645. In: SILVA, Ovídio A. Baptista da (Coord.). Comentários ao Código de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000-2003. v. 8.

[4] CONAB – COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO. Acompanhamento da Safra Brasileira de Grãos, Brasília, DF, v. 10, safra 2022/23, n. 5 quinto levantamento, fevereiro 2023.

O post Prescrição e suas modalidades aplicadas às cédulas de crédito rural apareceu primeiro em Crosara.

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